O Guardião das Flores

 O instrutor viu durante o curso de treinamento que ele seria um zelador de praça atencioso

E não apenas isso, ele tinha sensibilidade e se esforçava por aprender cada detalhe nas aulas que a prefeitura fornecia para pessoas que, como ele, estavam sem emprego fixo há bastante tempo. O homem que treinava a turma esforçava-se por ensinar como cuidar dos lugares públicos de modo a ficarem preservados de vandalismo e floridos. Percebia, entretanto, que o candidato a uma das vagas, que sentava logo na primeira fila, era uma pessoa singular. Raramente perguntava sobre máquinas para cortar grama, podas de árvores ou qualquer coisa ligada à jardinagem, assuntos que os outros aspirantes a cuidadores de praça, sempre procuravam entender. E era a lógica, afinal de contas precisavam ser capacitados para isso, para se empenharem nas questões da jardinagem. Não que se desinteressasse com essas questões, mas ele se preocupava com os frequentadores desses lugares, queria saber por que iam e por que amiúde sentavam em um banco qualquer sem fazer outra coisa a não ser olhar para o nada.

Gaudêncio completou o curso no final de 2010 e como morava na Vila Mariana, um bairro da região centro-sul de São Paulo, foi cuidar de uma praça que fazia esquina com a Rua Machado de Assis, pertinho de onde morava, no mesmo bairro. O trabalho não era complicado nem muito menos penoso e as seis horas que devia cumprir a cada dia passavam rapidamente. Aparava a grama, varria folhas, afofava os canteiros de cambarás que sempre estavam cheios de borboletas, enfim, desempenhava feliz seu trabalho de guardião da praça. Porém sempre ficava atento às pessoas que assiduamente visitavam o lugar e sentavam nos mesmos bancos, contemplando, muitas vezes sem ver, a mesma paisagem. Ele se perguntava: será que percebem a florada amarela dos jardins?

Um dia, depois de cumprir suas tarefas e já quase indo embora, notou que uma moça sentara debaixo de uma paineira e olhava fixamente para o chão. Não era a primeira vez que a via repetindo a mesma atitude e o mesmo gesto, o corpo dela ficava como se estivesse abatido, com os braços lânguidos e seu olhar era vidrado e triste. Gaudêncio sentou a seu lado e lhe perguntou: posso ajudar? A partir desse instante ela sentiu-se aceita e de alguma forma compreendida, quem sabe ainda, acompanhada por alguém que lhe emprestava uma mão para andar livremente por seus sentimentos.

Ele, o guardião das flores, descobriu sua verdadeira vocação. Possuía o talento daqueles que sabem ouvir. Apenas e tão só ouvir com atenção.

Autor: Raul Cânovas

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