Fala Recife!

Sim, me conta de você, como é que se sente frente a esse crescimento todo?

Como são suas horas, seus dias, esse cotidiano marcado por uma contemporaneidade, às vezes, impiedosa, que te obriga a deixar para trás tantas tradições? Olho teu mar pintado de esmeraldas e, por um momento, esqueço do prédio cinza que me aperta, da buzina dos carros e do cheiro peculiar de teu lixo diário. Imagino, quando contemplo essa imensidão que se agita além do horizonte, como era teu contorno antes dos homens construírem a cidade. Como, recifenhamente, as ondas chegavam até tuas praias para descansar ao sol. E a brisa, sempre em viajem, correndo sob as copas das árvores refrescando ímpetos, que letargiavam nas tardes de novembro.

Sem pressa, você fabricava paisagens com uma porção de verdes que não vejo mais. Ficaram apagados pela borracha impiedosa, feita de cinzentos aços e cimentos. Fala Recife, quero ouvir tua voz terrosa com gosto de cajueiro. Sou todo ouvidos de teus lamentos, porque compreendo o gosto amargo da perda, da falta de chão onde se deveriam apoiar os corpos de pau-de-flor, da ausência do solo macio onde as raízes deles penetrem, criando a tua alma, cidade. Entendo-te porque sei usar a enxada e aprendi cedo a rabiscar, com minha lapiseira, espaços cheios de sentimentos a crescer. Às vezes reconheço que com ela atiro grafites que, inutilmente, tentam defender as últimas relvas, perdendo os combates frente às betoneiras armadas de concreto. Estas se assemelham a blindados que passam por cima do bucólico, deixando um rasto de agonias.

 

Minha partida

 

Meu voo decola, levando-me de regresso a São Paulo e do avião percebo as poucas copas verdes que sobreviveram no meio de mil paliteiros, feitos com tijolos e vidro. Árvores imensas há três décadas, ficaram em desvantagem quando comparadas a estes arranha-céus. Solitárias, as que permaneceram, sofrem com o desamparo e a incompreensão.

Fala Recife! Mas fala alto, grita tua dor, para que todos possam lastimar tua angústia. Angústia de sentir que te arrancaram teu vestido verde, adornado com flores. Deixando-te, velha cidade, impudicamente desnuda.

Autor: Raul Cânovas

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