Os memasaks de Ceilão

 Há muito tempo, lá pelo século V a.C., os memasaks, como são chamados os cozinheiros na língua malaia, foram a fina flor do reino

A culinária era muito importante para o rei cingalês, não apenas na sua vida cotidiana, mas especialmente nas festas das luzes, o Deepavali, quando tudo era enfeitado com lâmpadas alimentadas com óleo de palma para dar as boas vindas ao deus Rama, um símbolo védico, fonte dos prazeres perfeitos e divinos. Por ocasião da colheita das frutas, também era celebrada a Kataragamaque, dedicada ao deus Skanda, filho do deus Shiva e protetor dos guerreiros que lutavam contra os exércitos dos demônios. 

Vijaya fazia questão de que sua corte usufruisse de uma gastronomia perfeita e cheia de sabores, para isto contava com um notável memasak que preparava biryanis e thalis deliciosos, valendo-se dos melhores ingredientes da ilha: arroz, verduras, dhal, coalhadas fresquíssimas e chutneys previamente preparados com pimentas, mangas, gengibres, mel e temperos cultivados especialmente para o rei. Dasharatha era mais do que um memasak, um cozinheiro, ele dirigia uma equipe quase dinástica de memasaks que controlavam a pesca de mariscos e peixes, assim como tudo aquilo que dizia respeito à alimentação da elite. Controlavam de forma quase arbitrária e, por vezes, prepotente, impedindo que outros cingaleses praticassem a arte da boa comida, alegando que a gastronomia era uma tradição apenas reservada a eles.

Aos poucos, muitos outros homens e mulheres que preparavam seus alimentos diários foram aprendendo técnicas que iam além da cozinha para viver. Aliados à agricultores, pescadores e criadores de animais, desenvolveram receitas diferentes, usando bananas vermelhas que assavam em lenha de neem e currys feitos com garam masala, cominho, coentro e um picles de alho produzido por um montanhês, meio ermitão, conhecido como Sampati. Os memasaks, sabendo que o prestigio dos novos chefs podiam afetar seus negócios com a nata cingalesa, deram um grito para o céu e levaram suas reclamações ao rei Vijaya, pedindo para que proibisse essa gente de se intitular memasaks, alegando que essa designação era exclusiva deles.

O rei pediu um dia para refletir sobre o assunto. Ceilão ficou vinte quatro horas em estado de atenção. Por fim, o sábio monarca disse: "quero que cada grupo apresente uma iguaria para que possa julgar se o título permanecerá exclusivo aos memasaks litigantes ou poderá ser usado por todo aquele que saiba agradar meu paladar". O prazo era o de outra jornada, que culminaria com o pôr do sol. Terminado o prazo, surge Dasharatha com um faisão assado em brasas salpicadas de açafrão, trazido em um carrinho adornado com jasmins e puxado por um menino vestido a rigor. Vijaya o degustou em silêncio e calmamente sob o olhar de Dasharatha, que pressentia a vitória já que, depois desse manjar, dificilmente teria apetite para apreciar o acepipe do concorrente.

Depois de comer todo o faisão, o rei pediu a presença daquele que pretendia ser chamado também de memasak. Foi quando apareceu Lanka, carregando uma singela bandejinha de madeira de djati, onde tinha uma xícara de chá. Fazendo uma reverência, diz: "alteza, creio que um chá rosado feito com folhas de uma planta cultivada nas montanhas de Nuwara vai lhe cair bem". Surpreso com a simplicidade da oferta, o rei tomou a xícara e bebeu o conteúdo como quem bebe um elixir, exclamando para toda corte presente ouvir: este é o memasak mais engenhoso que já conheci, esse chá foi a melhor coisa que já experimentei na minha vida, ao que, com humildade, Lanka respondeu: "cultivei essa planta durante muito tempo, esperando uma oportunidade para colher as primeiras folhas e com elas fazer algo que o agradasse, alteza".

Foi assim que o reino de Ceilão, hoje Sri Lanka, ganhou uma gastronomia notável, liberando a profissão a todos aqueles que dominassem a arte de cozinhar.

Não sei por quê, mas esta estória, passados 2.500 anos, não perdeu a atualidade, já que ainda hoje padecemos com as reservas de mercado que alguns setores pretendem estabelecer, como é o caso dos arquitetos que se atribuem o direito de só eles assinar projetos de paisagismo.

Autor: Raul Cânovas

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