O nada indelicado agreste pernambucano

Quando usamos a palavra agreste pensamos imediatamente em algo rude, um tanto desajeitado e até por vezes inculto


Bowdichia virgilioides

 

Mas será mesmo que podemos chamar de inculta uma região de 24.400 km², algo assim como 16 vezes o Município de São Paulo? É claro que a comparação não tem muita lógica, se não, vejamos: a cidade paulistana concentra onze milhões de pessoas, enquanto que o agreste tem um milhão e oitocentos mil habitantes, o que o torna bastante ermo, fora de Caruaru, Garanhuns e outras menores. Entretanto não é com estatísticas que quero ocupar esta crônica, e sim com a flora dessa região que possui a injusta fama de árida e, para a maioria, de estéril.


Copernicia prunifera

É fato que o agreste ganhou sua fama de aridez pelas poucas chuvas durante o ano, especialmente entre outubro e janeiro, período de estiagem severa. No entanto nesses solos duros e areentos prosperam árvores com quase 10 metros, mescladas com arbustos que resistem à seca graças a suas folhas coriáceas que impedem a transpiração excessiva, pela evaporação causada graças às temperaturas altas que, no inverno, não baixam além dos 16°C.


Praça Marco Zero, Caruaru-PE

São jatobás (Hymenaea courbaril), ipês-roxos (Tabebuia impetiginosa), sucupiras (Bowdichia virgilioides), imburanas-de-cabão (Commiphora lepophloeos), alamandas-arbustivas (Allamanda laevis), caraguatá-açú, (Furcraea gigantea), trepadeiras como o cipó-banana (Adenocalymma comosum), os cactos típicos como as coroas-de-frade (Melocactus zehntneri) e os mandacarus (Cereus jamacaru). Os umbuzeiros (Spondias tuberosa) com seus frutos saborosos e as palmeiras: macaúbas (Acrocomia aculeata), cujos frutos são iguarias, as incríveis carnaúbas (Copernicia prunifera), usadas na medicina, nas construções, no artesanato, na extração de cera que lhe deu fama mundial e os belíssimos coqueiros-cabeçudos (Syagrus coronata) tão próprios para serem utilizados pelos paisagistas.

Infelizmente as queimadas dos últimos quatro séculos reduziram bastante a riqueza florística do agreste. Algumas gramíneas e leguminosas praticamente sumiram. Porém, nas últimas décadas, cresceu entre os pernambucanos a vontade de recuperar a vegetação quase extinta. Em Santa Cruz do Capibaribe, cidade com noventa mil habitantes, por exemplo, é feita, em outubro, a Feira do Verde, evento que promove a conscientização da população sobre as questões ambientais. Nessa feira são distribuídas mudas de árvores para os visitantes que queiram sombrear as calçadas de suas residências.


Coroa-de-frade

Tomara que essas árvores cedidas pela prefeitura sejam nativas, para que o futuro da paisagem não seja comprometido com espécies de outros biomas e até de outros países, porque isto seria um golpe muito forte no aspecto genuíno da região, que ancora suas tradições e seu folclore no vasto conjunto de plantas que aí estão, muito antes da chegada da primeira mulher e do primeiro homem ao agreste pernambucano. É de imaginar que quando eles arribaram encontraram o necessário para o sustento cotidiano e desse modo delinearam uma cultura tão peculiar. Uma cultura nada indelicada.

Autor: Raul Cânovas

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