Mudança de Hábitos

Por Raul Cânovas

Lembro que quando brincávamos na casa do Adolfo, seu avô ficava absorto, quase desligado deste mundo. De lupa de aumento na mão esquerda e uma pinça na destra, ordenava minuciosamente sua coleção de selos com a convicção de que nunca acabaria de fazê-lo. E na realidade isto era perfeito por que, dessa maneira, o passatempo se convertia em algo perpétuo, como também perpétua era a felicidade do senhor Dagoberto, que decidia apostar na filatelia seus últimos anos de existência.

Bem, isto foi há bastante tempo, era uma época em que as pessoas trabalhavam com o corpo, suavam, se andava muito mais a pé que hoje; os mais velhos devem lembrar que para trocar de canal, na TV, tinham que levantar da poltrona e ir até o aparelho, não existia controle remoto; também não tinha vidro elétrico no carro, nem presto barba, frango congelado no supermercado, nem pensar, mesmo porque os supermercados eram escassos.

Então a vida era cansativa, o estresse não tinha sido inventado, era fadiga mesmo, exaustão de quem apurou todas suas forças num serviço às vezes codimentar e demorado. Por isso que ao aposentar-se o senhor Dagoberto, junto com toda a sua geração, procurava como em um ato de vingança, aquilo que eles chamavam de “vida – mansa”.

Ultimamente observamos que, sem querer, entramos em uma espécie de “fria tecnológica”, mal nos movimentamos, nossos corpos estáticos endurecem e nossos dedos enrijecidos pela cruel e constante digitaç&aatilde;o sofrem de doenças novas. Os filatelistas estão diminuindo, em contra partida aposentados ou não, procuram as academias para transpirar artificialmente, para voltar a sentir o corpo ensopado como sentiam seus avós.

Nos finais de semana fugimos do ar condicionado, do vidro temperado, do elevador ultra–rápido, até sei de gente que esquece o laptop e o celular em um canto qualquer para escapar em direção à praia ou ao sitio. E aleluia! Poder trabalhar no jardim, cortando a grama, aparando a cerca ou cuidando da horta. Sim, por que a salada feita com a produção da horta tem outro sabor, ela guarda o gosto de quem sentiu o prazer de voltar a colocar o corpo todo para trabalhar.
 

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