Colóquios cariocas

O II Colóquio Avesso da Paisagem tratou da ruptura, da desordem e dos riscos urbanos

 

O evento aconteceu no Rio de Janeiro, na quinta e na sexta-feira últimas. Foram doze palestrantes e quatro moderadores que discorreram sobre a dinâmica, muitas vezes caótica, que aflige as metrópoles, em especial a do Rio. O crescimento desordenado, estimulado por uma voracidade imobiliária que usa a paisagem apenas para fins imediatistas, aterrando fundos de vale, orlas marítimas e manguezais, para levantar edifícios e instalar condomínios, tem causado uma desordem urbana, martirizando regiões privilegiadas pela beleza e amenidade climática. Paradoxalmente esse mesmo conjunto de condições meteorológicas tem sido usado para justificar tragédias e legitimar a inocência do poder público que, com certa letargia, lida morosamente com a questão cidadã.


Pieter Brueghel,"Avaritia", gravura que serviu de fio condutor ao colóquio

Favelas, em outros tempos empurradas “higienicamente” para os morros, são hoje escondidas por tapumes ou erradicadas, na tentativa de melhorar a paisagem de modo ingênuo ou, quiçá desatinado, como querendo reeditar as práticas higiológicas do Império Romano que, preocupado com o asseio privado e a saúde de sua plebe, não acharam método mais plausível do que tocar fogo nessa cidade, no século I, habitada por um milhão de pessoas.


Nero ateando fogo em Roma

O colóquio, organizado pelo Grupo de Pesquisa História do Paisagismo, ressaltou o drama vivido nos morros, carentes de infraestrutura, e dos alagamentos cada vez mais frequentes graças à impermeabilização do solo, ao desmatamento e às terraplenagens e construções equivocadas. Obviamente não são as chuvas as responsáveis pelas tragédias urbanas, já que em áreas intocadas e agrestes não vemos alagamentos e, se há uma quantidade excessiva de água retida em um vale ou em uma depressão de terreno, esta é absorvida rapidamente pelo solo. Uma área arborizada absorve 95% da água das chuvas, em contrapartida o solo limpo aproveita, no máximo, 60% e, se pavimentado, a absorvência é zero.


Deslizamento em morro de Nova Friburgo – RJ

Gostaria muito agradecer pelas horas passadas nesse evento e seria justo mencionar todos os que colaboraram para alimentar ideias, mas como isto é difícil dado o exíguo espaço que esta crônica permite, deixo aqui meu reconhecimento a Carlos Gonçalves Terra, coordenador do GPHP, e peço para que ele o estenda a toda a equipe que possibilitou o evento.

O colóquio reafirmou a minha convicção de que a paisagem construída deve ser um reflexo da paisagem original. Não do modo utópico sonhado por Thomas More que idealizava, de maneira fantasiosa, uma comunidade organizada e homogênea, mas pelo contrário, metrópoles caracterizadas pelos seus hábitos, seus folclores, suas expressões linguísticas e com, o essencial, seus biomas preservados, garantindo a sobrevivência de um mundo esteticamente menos globalizado e a manutenção do jeito genuíno de ser de cada região.

 Autor: Raul Cânovas

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