Como construir um jardim sustentável - Parte I

Este é o primeiro de uma série de textos onde pretendo (sem pretensão) especificar 50 pontos relevantes para se desfrutar de um paisagismo que nos proteja dos gastos excessivos, sem renunciar ao que é essencialmente belo e bom.

Ultimamente ouvimos falar bastante sobre sustentabilidade, em especial no que se refere às construções: economia de energia, reaproveitamento da água, reciclagem do lixo, materiais certificados que reduzam o uso de recursos não-renováveis, uso de processos menos poluentes, manejo eficiente dos resíduos sólidos provenientes das obras de edificação, otimização da ventilação e iluminação natural, etc. Entretanto, apesar da boa vontade, não há uma “corrente” eficiente que possibilite a implantação de áreas verdes sustentáveis.

Enumero a seguir os pontos que considero fundamentais para que isto passe a ser uma realidade. Não estão em ordem de importância, já que aprecio a todos como relevantes, dependendo de cada situação.

1. Equilibrar o espaço ajardinado concomitantemente com o volume edificado.

A proporção é importante para não cair na “síndrome do peru no pires". O jardim, quando não tem possibilidade de ocupar uma área em harmonia que o relacione regularmente com a edificação, deverá empregar o espaço aéreo, com espécies altas e com formatos colunares e/ou piramidais que não interfiram nos prédios.


Projeto do Arq. Siegbert Zanettini para um edifício sustentável em Brasilia

2. Enxergar o terreno baldio não apenas como uma porção de terra a ser projetada, mas também como algo que possui tendências…

… às vezes históricas, folclóricas ou geográficas e geológicas. Cada área tem um passado e uma vocação que não deve ser contrariada. Pelo contrario, deve-se estar atento àquilo que é intrínseco a esse local, para que o que for plantado se inteire de forma à moldar fatores onde a flora e a fauna recebam todas as influências físico-químicas e ambientais do espaço.

3. Considerar o entorno e a vegetação nativa ou aquelas sabidamente benéficas.

A paisagem inventada não deve atritar-se com a já existente. Precisa comungar com ela, valorizando-a e tirando partido de cada elemento puro que possui. Não temos o direito de alterar a flora existente, é uma obrigação ética com a nossa própria felicidade alegrarmos com o melhor modo de viver no nosso cotidiano, que leva em conta, fundamentalmente, a paisagem verdadeira. Se, supostamente, tivesse que criar um espaço novo no Deserto do Saara, resumiria meu trabalho à rastelar uma duna, associando-me ao vento.

4. Estender nossa mente e nosso corpo em direção à paisagem que deverá ser criada.

Quando pensamos em realizar um jardim, sua materialização está diretamente ligada a uma aspiração, a um desejo vivo que nasce do nosso inconsciente onde guardamos, cuidadosamente, as emoções mais tocantes. É por isso que esse espaço com plantas e grama necessita espelhar sentimentos sinceros. Copiar paisagens alheias é tentar possuir uma esperança que não é nossa, é querer uma alegria roubada.

5. Praticar a diversidade de espécies, produzindo harmonia entre elas.

A paisagem, naturalmente, tem nuances de tonalidades, de formas e de portes, e a composição espacial a ser inventada tem que conter, substancialmente, a mesma coerência para transmitir essa sucessão agradável de relevos, de luzes e de sombras, por intermédio de plantas que, embora diferentes se complementem, reinventando uma singularidade quase primitiva.

6. Ter em mente que o jardim surgiu da necessidade de inventar um lugar onde se restaure a relação entre o espírito e a natureza.

Há tempos que buscamos uma forma de vencer o estresse. Tentamos os meios tecnológicos, com a intenção de melhorar nosso conforto externo, recorremos aos livros de auto-ajuda, para reparar-nos por dentro. Ainda assim, prosseguimos em busca de alguma coisa que simplesmente nos leve de volta, pelo menos esporadicamente, ao agreste perdido. Um cantinho sem ar-condicionado, atapetado com um verde úmido de orvalho, pode servir-nos para preencher esse vazio, às vezes sentados em um simples banco de madeira.


Os desejos do nosso inconsciente

Amanhã tem mais, aguardem.

Autor: Raul Cânovas

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