Tiradentes

Prefiro seu nome verdadeiro, Joaquim José da Silva Xavier, talvez por não ser depreciativo, já que esse apelido foi-lhe dado por não ter estudos regulares e trabalhar como dentista


Tiradentes

 

Às vezes cismo com esse meu exagero de enxergar uma certa falta de respeito, de informalidade excessiva no trato de algumas figuras que fizeram história. Tiradentes, que ainda menino perdeu os pais e também as propriedades da família, era de uma posição social bem mais simples que os outros inconfidentes da aristocracia mineira, entre eles poetas e advogados ricos e com patentes militares superiores à dele, que era um simples alferes, algo equivalente ao que seria hoje um segundo-tenente de tropa. Sonhou com um governo republicano, livre dos altos impostos cobrados pela coroa portuguesa, sem exército, onde a capital seria São João Del Rei. Pensou em fundar indústrias de manufaturação e até uma universidade em Vila Rica, hoje Ouro Preto.


Igreja de São João Del Rei, ladeada por palmeiras-imperiais

Não sei se foi isto, ou a valentia em insistir que fora o único responsável pela “inconfidência”, inocentando os outros. O caso foi que, enquanto os companheiros eram condenados ao desterro, ou degredo, como era chamado na época, ele foi sentenciado à forca por ordem da Rainha D. Maria I, a Louca, mãe de D. João VI. Depois da leitura do Decreto Régio, sua reação foi de alegria pelos outros réus, que receberam o perdão real. Seus confessores tiveram pouco ou nenhum trabalho em consolá-lo, pois j&aacuteaacute; estava "humilhado e contrito, exercitando-se em muitos atos das principais virtudes" (Autos, v.9, p.108).

Depois disto foi esquecido até tempos depois da Proclamação da República, quando começou a ser visto como um ícone republicano, na sua póstuma vitória. Sua figura crística de cabelos e barbas longos, vestido com uma túnica branca é inverossímil, dado que na prisão onde passou seu últimos três anos de vida, incomunicável e sujeito a tortura e pressão psicológica, os detentos eram obrigados a fazer a barba e manter o cabelo curto, para evitar piolhos.

O verdadeiro é que, numa manhã de sábado, em 1792, o homem andou em procissão pelas ruas engalanadas do centro do Rio de Janeiro, no trajeto que separava a cadeia pública do largo da Lampadosa, atual praça Tiradentes, onde fora levantado o patíbulo. Como se fosse o próprio Jesus Cristo, beijou os pés e perdoou o carrasco, tirou a camisa e falou: "Nosso Senhor morreu nu por meus pecados …"; caminhou com o crucifixo na mão, certo de "oferecer a morte como sacrifício a Deus". (Autos, v.9, p.108).

Cumprida a sentença, foi esquartejado e salgado. Sua cabeça foi posta dentro de uma gaiola e levada para Ouro Preto, onde ficou exposta em um pilar de madeira, suas pernas cravadas em postes na Estrada das Minas e os braços levados para Barbacena. Com seu sangue lavrou-se a certidão de que a sentença estava cumprida, e foi declarada infame sua memória.

Restou uma biografia truncada, contraditória, onde aparece como herói às vezes, ou como um inocente falastrão em outras. Prefiro a primeira, me faz sentir melhor. Sei que um republicano, inimigo da escravocracia, inspirou o sentimento que o Estado brasileiro mantém desde 1891, quando promulgou sua Constituição. Sei também que conhecendo nosso passado compreenderemos o presente e planejaremos melhor o futuro.

O que não sei, não entendo, é a permanência da palmeira-imperial como um símbolo de elegância. Cadê a palmeira-republicana? Quando será promulgada?

Autor: Raul Cânovas

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