Semana Santa e Páscoa

Como seria bom conservar a simplicidade que reinava em outros tempos nestes dias, que terminam com a ressurreição de Jesus Cristo


Ovos pintados

Minha mãe, na Sexta Feira Santa, visitava sete igrejas acreditando que, desta maneira, Deus atenderia suas súplicas e seus pecados seriam perdoados. Era um ato quase ingênuo, especialmente porque ela era uma mulher inocente e verdadeira. Mesmo assim fazia isto ano-a-ano na tentativa do indulto de algum pecadilho qualquer, já que, seguramente, por não ter vícios ou maldades, não precisaria deste calvário extensivo. Eu, acompanhante meio que a contragosto, conformava-me graças às empanadas de peixe que ela comprava na saída das igrejas. Era um dia puro, sem afetações, que deixou saudades.

A importância da celebração religiosa está resumida, atualmente, ao comércio dos ovos de chocolate. Nada contra, pelo contrário, mas aonde foi parar a seriedade e o respeito que faziam parte da tradição? Nesse período só ouvia-se música sacra e mantinha-se distância de pregos, martelos e qualquer outra coisa que lembrasse a crucificação do Salvador.


Póvoa de Varzim

Quem sabe seria mais interessante passar estes dias em algum lugar como Póvoa de Varzim, no Norte de Portugal, onde as tradições são guardadas com um zelo incrível, por um povo que está acostumado a respeitar o folclore e a memória de uma região que começou a ser habitada há mais de quatro mil anos. Lá festejam a Festa da Hera, na segunda-feira, depois da Páscoa, com algumas reminiscências dos cultos pagãos dos Celtas. Quando chega a primavera, esta trepadeira típica nos muros da cidade, adquire um caráter simbólico, decorando as portas das casas, as calçadas e as ruas, formando caminhos tapetados pelas folhas de hera. As raparigas, nos anos 20, para financiar os músicos dissidentes da Banda Poveira e que fundaram a Banda Povoense (popularmente Banda dos Passarinhos) aproveitavam a data para vender buquês com a planta, onde as famílias faziam os piqueniques, aos casais que passassem.


Muro com heras

Elas cantavam:

Quem pela hera passou

e uma folhinha não tirou,

do seu amor não se lembrou.


ou


Quem me dera ser a hera

Pela parede subir

E espreitar à janela

Do teu quarto de dormir.

Estimulavam assim a compra pelos casais que passassem. Os rapazes colocavam uma folha no bolso do casaco ou no chapéu, e as moças as prendiam no peito.


Hera em flor

O homem do mar, prepara-se para a Páscoa com o maior respeito. É um momento de luto e de silêncio e comer carne é algo impensável. Os instrumentos musicais são guardados, as cantorias são proibidas, assim como toda manifestação de alegria. Vestem roupas escuras e modestas na quinta e na sexta-feira e os pescadores deixam seus barcos atracados.

Há procissões, visitas às igrejas, tudo com o mais profundo recolhimento, na esperança de salvá-los de tempestades e de dar-lhes fartas pescarias. Na noite de Sábado de Aleluia o Judas é queimado, mas antes disso um poeta inspirado, talvez por Eça de Queirós que ali nasceu em 1845, lê um testamento de forma humorada. Na igreja Matriz dezenas de meninos, com campainhas nas mãos, saem à meia-noite anunciando a ressurreição de Cristo, enquanto gritam: Aleluia! Aleluia!

No dia seguinte, Domingo de Páscoa, a tristeza dos últimos dias é substituída e surge um povo alegre com roupas bonitas e crianças brincando nas ruas impecáveis de Póvoa de Varzim, a mesma cidade que viu nascer Tomé de Souza, Governador Geral do Brasil Colônia do século XVI.

É, seria bom passear pelo parque lúdico da cidade, projetado recentemente, por Sidônio Pardal, olhando para o lago no meio da floresta atlântica, com carvalhos, freixos, aveleiras, medronheiros, azinheiras e amieiros e depois, no meio desse feriado, almoçar na Estalagem de Santo André uma pescada à poveira, com batatas, ovos e um "molho fervido" de cebola e tomate.

Assim, bem simples…como antigamente.

Feliz Páscoa!!!

Autor: Raul Cânovas

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