Paisagismo à beira-mar

“Impossível exprimir os sentimentos que dominam o observador enquanto os seus olhos contemplam o cenário lindamente variado que se apresenta a entrada do porto, cenário talvez sem rival na face da terra, e em que a natureza parece ter exaurido todas as suas energias. Tenho visitado desde então muitos lugares famosos pela beleza e magnificência, mas nenhum deles me deixou na mente igual impressão. Até onde à vista alcança na baia, belas ilhas verdejantes e cobertas de palmeiras se viam surgir da espessura, enquanto as colinas e altaneiras montanhas que a circundam, douradas pelo sol poente, formavam uma moldura adequada a tal quadro. À noite as luzes da cidade produzem belo efeito, e quando a brisa da terra começou a soprar, trazia em suas asas o delicioso aroma da flor da laranjeira e outras flores perfumosas, que me deliciavam tanto mais por haver estado tanto tempo privado da companhia das flores. Ceilão tem sido decantada pelos viajantes por causa de suas especiarias odoríferas, mas eu já entrei duas vezes em suas praias quando soprava a brisa de terra sem experimentar nada que se comparasse as doçuras que me acolhiam a chegada do Rio”

– George Gardner, Superitendente dos Jardins Botânicos Reais, de Ceilão.
 

O autor deste texto, escrito no dia 22 de julho de 1836, quando o navio em que viajava se preparava para ancorar na Baia de Guanabara, ficou no nosso país até 1841 e como naturalista fez uma série de pesquisas botânicas, patrocinadas pela Rainha Victoria, que iniciava seu reinado naquela época.
Fica nítido o deslumbramento de Gardner com a natureza de nossas costas, nosso litoral sempre chamou a atenção do visitante estrangeiro (eu me incluo na relação dos fascinados).
Porém, algo mudou nesses anos todos e certamente não foi apenas à paisagem, agora crivada de condomínios e marinas. A grande transformação está no próprio ser humano, que vive atualmente de uma maneira menos afetada tentando equilibrar melhor o lazer com o trabalho. A semana de cinco dias foi uma conquista, que nos permite ter mais tempo para investir em nos mesmos, e uma das coisas gostosas dessa ociosidade provocada é praticá-la no lado externo de nossa casa, longe de paredes e carpetes e em contato com um bucólico que já parecia perdido. O jardim passou a ser uma espécie de refúgio ideal, onde comemos churrasco, nadamos, dormimos na rede ou simplesmente sonhamos em parecermos um pouco mais com aquele homem primitivo que não sabia de estresse. Por isso, cada vez mais, o paisagista procura alternativas para transformar os espaços ao ar livre não apenas em bonitas coleções de plantas, mas também em ambientes que nos permitam habitar descontraidamente, desfrutando do calor e do sol, dádivas estas tão nossas e tão presentes.
Vivemos um momento interessante, onde a tecnologia nos permite mais liberdade, hoje não é mais utópico pensar em morar na praia sem perder contato com nossos clientes e fornecedores, um simples computador pode encurtar qualquer distância, e o melhor é que podemos acessar a internet vestindo bermuda e camiseta, bem ao lado da piscina, bebendo água de coco.
O importante de tudo isso é entender que é fundamental encontrar uma forma brasileira de viver, onde nossos sentimentos sejam alimentados sempre, por aquilo que é genuíno e sem complicações. Imagine sentar à sombra de um coqueiro sentindo o perfume intenso do lírio-do-brejo, pense no sabor do araçá maduro e nas andorinhas, fazendo desenhos que misturam mar com céu. Tudo muito simples, quase singelo, porque para ser feliz não precisamos de muito esforço, apenas precisamos cultivar aquelas quimeras ingênuas, que florescem pontualmente a cada devaneio.
Porque precisamos ser crédulos… E felizes.

Por Raul Cânovas

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