Os jardineiros da pré-história

 Era Paleolítica

Falar das primeiras tentativas do ser humano na arte de construir jardins é uma tarefa extremamente difícil, e isso se deve ao fato dos arqueólogos não possuírem dados suficientes sobre um período longo, que compreende desde o aparecimento do homo erectus, há 1,5 milhões de anos, até os primeiros indícios de plantas cultivadas 10.500 anos a.C.

Em Shanidar, Iraque, onde se encontrou o primeiro moedor de grãos, são nada menos do que 1.489.500 anos de bastante mistério. É um número assustador, mesmo porque toda cifra que se refira a tempo, e que ultrapasse os 3.000 ou 4.000 anos, escapa à nossa imaginação. Os cientistas alegam que só em condições muito especiais os tecidos vegetais escapam ao apodrecimento e à destruição, sendo, portanto, as descobertas de sementes, fibras e fragmentos de madeira de épocas mais recentes.

É por esse motivo, que teremos que usar da imaginação para analisar os primeiros passos desses arcantropinos, que deixaram de andar de quatro no início da era Paleolítica.

GROIR

Em uma tarde qualquer, há 400.000 anos, nosso herói que chamaremos de Groir, perambulava distraidamente com o olhar perdido nas águas esverdeadas do lago Eyasi.

Apesar do aspecto carrancudo, ele se sentia feliz depois de vários dias se alimentando de raízes e frutos, porque tinha matado um cavalo selvagem e estava tentando resolver como iria carregar o animal até o lugar seguro, para poder acender fogo e se empanturrar com um bom churrasco. Com bastante habilidade e uma machadinha, acabara de separar a cabeça e as patas do bichão e o arrastava com bastante dificuldade, segurando-o pelas crinas.

Groir, de tão atarefado não percebeu que o céu, em instantes, passara de azul-celeste para cor de chumbo, e se não fosse pelo vento frio que ganhava velocidade e se afunilava por entre as montanhas, nosso distraído hominídeo não teria notado a tempestade iminente.

Olhou à sua volta e percebeu que as nuvens já não deixavam ver o Loolmalasim, nem o Meru e muito menos o Kilimanjaro, nenhuma dessas três montanhas. Estavam tão baixas que Groir esteve a ponto de pular para tentar tocá-las. As pesadas gotas de chuva se misturavam ao sangue e ao barro no rastro deixado pelo corpo do cavalo, e o peso do animal aumentava junto com a tormenta.

Os míseros fiapos que cobriam Groir multiplicavam a sensação de frio e o medo resultante da trovoada o transformava em uma criatura tão indefesa e solitária, que levaria qualquer um a acreditar que o desgraçado vivia sozinho no continente africano.

Exausto, com as forças exauridas e já quase resignado a ter que abandonar a presa, descobre por entre galhos da trilha uma pequena clareira e, no meio dela, uma caverna suficientemente ampla para protegê-lo da chuva e de uma temperatura baixa, como nunca tinha sentido.

Paleotoca em Novo Hamburgo (RS)

Para sua sorte, o solo da gruta era um pouco mais alto que o terreno lá fora e graças a um desnível na entrada a água não conseguia inundar o interior. Groir, entre receoso e aliviado, descobre que o lugar é desabitado, e acocorado, rende-se ao sono sem saber que estava se tornando o primeiro arquiteto do mundo.

Sem querer e timidamente, ele acabara por criar o habitat. De madrugada, bem cedo, como habitualmente acontece nas regiões próximas ao Equador, o sol já estava iluminando a quente entrada da "casa" de nosso antepassado.

Agora sim era possível secar a lenha, que serviria para o fogo da noite, para assar o tão desejado churrasco de cavalo. Usaria o tempo restante para talhar seixos e afiar um osso que iria se transformar em um perfurador. Com este utensílio, Groir planejava fazer uma veste nova, já que o que ele usara no dia anterior tinha se despedaçado no temporal. Matéria prima não lhe faltava, o couro da barriga do animal que ia comer mais tarde era macio e ideal para a temperatura da região.

Outra coisa que o preocupava era a possibilidade de que algum elefante ou um tigre dente-de-sabre o encurralasse dentro da caverna. Enquanto trabalhava, pensava sem parar nestes medos.

Era noite e Groir sentado próximo à fogueira tinha acabado de jantar. Estava sorvendo o tutano de um osso, quando começou a cochilar. Cansado, dormiu a noite toda. Acordou cedo, em plena alvorada, só pelo fato de ter ficado ao relento. Isso seria normal até duas noites atrás, mas agora ele já tinha um lugar onde morar.

Talvez um anjo tivesse soprado em seu ouvido enquanto dormia e Groir decidiu resolver o problema dos bichos que o aterrorizavam: levantou-se e foi construir uma cerca. Com galhos de árvores e pedras, formou um círculo que cercava seus domínios. O serviço era cansativo, porque as pedras tinham que ser bem pesadas para formar uma mureta consistente e os galhos deviam ser fincados com profundidade, para ficarem firmes.

Passados alguns dias, nosso homem teve uma surpresa: pequenos pontos verdes cobriam alguns dos troncos por ele enterrados. Parecia um milagre: os tocos estavam brotando e ele, mais uma vez, voltava a ser um precursor. Involuntariamente, tinha feito o primeiro jardim da história.

Não sabemos ao certo se as coisas aconteceram precisamente dessa maneira, mas obviamente sempre existirão figuras criativas e curiosas, como Leonardo da Vinci, Thomas Edison e Santos Dumont, que impulsionados pela inventividade e munidos de uma grande porção de paciência, estimularam os avanços culturais e científicos.

Apesar da falta de provas, devemos acreditar que o homem, desde a era Paleolítica, tentava o cultivo das plantas. Se teve criatividade para alinhar perto de 3.000 blocos de pedra ao longo de 4 quilômetros, além de imensos dolmens, que foram montados com intuitos religiosos, na região da Bretanha, se 350 séculos antes de Cristo já pintavam cavalos e bisontes policromados e se faziam vasos de cerâmica como uma forma de expressão artística, é impossível duvidar dos jardineiros da pré-história, que certamente, manipulavam a terra desde épocas remotas, quando cuidavam do Jardim do Éden.

Autor: Raul Cânovas

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