Os anões de jardim

Mestre, Soneca, Dengoso, Zangado, Feliz, Atchim e Dunga

 

Estava irritado, de braços cruzados e com péssimo humor. Bem, isto seria o normal do Zangado, que era naturalmente meio rabugento e se destacava dos outros seis pelos sermões negativos que pregava. Mas desta vez era diferente, se sentia ofendido, vilipendiado. E não pelo fato de ser anão, mas, sim por ser um anão de jardim. Tinha sido ofendido por um paisagista que afirmara que ele e sua turma eram cafonas, uma coisa de mau gosto! "Veja só, nós que somos uma tradição arraigada há tantos anos… Ainda na época em que os Vikings civilizaram a Escandinávia, eu, junto com meus amiguinhos, já enfeitávamos os jardins."

Dengoso ouvia tudo vermelho de vergonha, sua timidez não lhe permitia opinar e o Soneca bocejava como sempre, mas olhava os outros esperando que alguém falasse alguma coisa. Foi Feliz que disse, como que concordando: "É, dez séculos decorando e colorindo a natureza e agora vem alguém, assim do nada e sentencia que somos ridículos". "Talvez quisessem dizer ultrapassados", Atchim declarou isto enquanto soltava um espirro fenomenal. Em cima da casa do cachorro, Dunga, assentia com a cabeça, em tom de aprovação.
 
O Mestre, assumindo como sempre seu papel de líder, falou desde o alto (bem, nem tão alto) de sua sabedoria que a idade lhe conferia: "Um anãozinho de jardim jamais devia sentir-se humilhado ao ponto de esquecer que é um personagem, aliás, um pequeno personagem da história. E, seja dito, de passagem, um grande personagem de historinhas, isto é um grandessíssimo anão ou, pelo menos um pequenote que se esqueceu de crescer e que…"
 
Mestre, meio confuso, tentava acalmar os ânimos e como de costume quanto mais falava, mais embaralhada ficava sua explanação.

 

 
Foi um outro anãozinho que me contou este episodio, até para que de alguma forma manifestasse minha opinião ao respeito:

– Você acha também cafona, perguntou, essa coisa de pôr a Branca de Neve e seus amigos em um jardim?

Foi aí que lembrei que minha amiga Regina Rodrigues (certamente a jardineira-mor do Brasil) ficou indignada quando eu afirmei em uma palestra que essa coisa de anãozinho de jardim era um costume espalhafatoso e de gosto duvidoso. No dia seguinte, na casa dela, em Curitiba, passeando pelo imenso jardim, repentinamente me deparo com um cantinho dedicado às crianças, onde uma figura com lábios cor de pétalas de rosa e vestido branco era rodeada por sete liliputianos engraçadinhos. As estatuetas eram um verdadeiro primor de artesanato ou quem sabe até de arte, por que não? Tive que me render e pedir desculpas a minha anfitriã; ela tivera razão.
 
Olhei no fundo dos olhinhos interrogantes desse meu amiguinho, fugido de um conto de fadas, apenas para saber que opinava e respondi:

– Realmente é preferível um anão espirituoso e engraçado do que um gigante preconceituoso.
 
Apesar disso acho arriscado colocá-los no jardim; vai que…

Autor: Raul Cânovas

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