O silêncio de Julho

Algumas semanas sem escrever para o Jardim das Ideias são rompidas agora, sob uma ovação de pétalas amarelas e roxas que soam como o prelúdio de um mês colorido


Ipê-amarelo

 

Sim, um prelúdio seria uma boa ideia  para acompanhar nosso inverno ensolarado. Imagine ouvir Yo-Yo Ma tocando Bach, com seu violoncelo Stradivarius que comprou em um leilão pela bagatela de um milhão de dólares. Um luxo, não pelo intérprete francês de origem chinesa, nem pelo instrumento valioso que certa vez ele esqueceu em um táxi (e foi devolvido, graças ao bom Deus). Mas pelas flores singelas dos ipês, que não têm preço.


Ipê-rosa

Elas estão por todos os lados e torço para não chover, nem soprar ventos fortes que acelerariam sua queda. Quero sol, muito sol, para que os raios iluminem as copas dessas árvores e desenhem sorrisos nas pessoas que por estas bandas desfrutam invernos quase mornos, andando por aí em mangas de camisa e vestidinhos leves. É interessante como tudo isso é despercebido pela gente, não imaginando como esses agostos podem ser depressivos e cinzentos, lá na Patagônia ou mesmo nas terras próximas ao Rio de La Plata.


Vincent van Gogh, que sofria de depressão e cometeu suicídio, pintou esse quadro em 1890 de um homem que emblematiza o desespero e falta de esperança sentida na depressão.

Estive por lá há uns dias… as árvores sem folhas, o vento sibilante, o céu cor de aço e o frio obrigando toda uma sorte de cachecóis, sobretudos e gorros nem sempre coloridos. Pensava em como tinha me habituado com esta estação nada gélida em São Paulo. Claro que às vezes o frio aperta um pouco e nos faz soltar alguns espirros, mas ele é brando e fugaz e se veste de forma alegre, pintado de cores fortes na tentativa, quem sabe, de aquecer a paisagem. Acho que é por isso que não há pétalas pretas, nem cinzas nem marrom-escuro. Deve ser uma espécie de pacto que as plantas fizeram com algum mago ou um daqueles psiquiatras que clinicam nas Esferas Celestes e que sabiamente sentenciou que o melhor remédio para combater os transtornos e perturbações depressivas era contemplar uma alameda de ipês floridos.

Mas atenção, olhar com a alma, sim porque ela não é apática e sempre está com um apetite fantástico que a obriga consumir o pólen imaginário que as sensações fabricam. Esses pequenos grãozinhos dourados alimentam nosso espírito para não sentir desamparo nem tristezas. Dissipam as sombras com proteínas carregadas de encantos luminosos, devolvendo um montão de emoções que perdemos pelos caminhos de lutos fabricados.

Ah os ipês… que seria do agosto sem eles, que seria de mim e de você nesse frio assustado com as árvores nuas e geladas, parecendo mortas depois de atacadas pelo vento.

Tudo bem, não há porque se preocupar enquanto elas floresçam e se possa ouvir a Suíte N° 1 de Johann Sebastian Bach.

 Autor: Raul Cânovas

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