O Jardineiro do Ano

 Não foi alguém que frequentou colunas sociais e baladas ou circulou nos bares da moda. Ele não pertence a tribo alguma.

Devotado, destinou cada dia, cada momento a cuidar dos muitos jardins que lhe eram confiados. Semeou um pouco de tudo e plantou aspirações, cultivando perfeitamente com suas muito usadas ferramentas. Não ficava totalmente satisfeito com o rumo que a natureza imprimia ao seu trabalho, apesar disso ,entendia que sua diretividade terminava onde as vontades de toda essa força ativa, que comandava a ordem natural de seus jardins, deveriam prevalecer sobre seus próprios desejos e até caprichos. Tomava cuidado ao podar algo, imaginando que isto poderia interferir no livre arbítrio da planta e tentava corrigir sua postura, conduzindo delicadamente seus ramos, disciplinando o crescimento. Afinal de contas, não tinha sentido impor uma ordem rigorosa e sim liberar esse potencial de crescimento, respeitando a energia e o histórico que ela possuía, levando em conta a capacidade de gerar folhas, flores e frutos. Ele entendia que seu trabalho era o de facilitador, de alguém que estimula, e não do jardineiro que arbitrariamente impõe uma paisagem submissa e obediente, dificultando sua naturalidade.

Os dias bons eram de sol e os chuvosos, benignos. As garoas traziam gotinhas miúdas que pareciam flutuar no ar e acariciavam as árvores, e os torós davam shows com trovoadas, relâmpagos e raios, para tempestuosamente animar a turma verde, como em um Woodstock tropical. Depois a luz do sol se assomava, marcando cada matiz, cada cor e, associada com as copas das árvores, rendava os gramados úmidos e brilhantes.

Às vezes ele pensava se sua presença era indispensável, se tudo isso não aconteceria espontaneamente mesmo sem seu trabalho cotidiano. Ai lembrava-se das formigas, das lesmas, da tiririca e compreendia que era seu dever proteger o que era bom daqueles prejuízos que traziam tortura e infelicidade para seus jardins. Essas pragas não significavam exatamente o mal, mas flagelos a serem evitados, obstáculos para o que era valorizado como bom. Cabia a ele, enfim, a escolha que determinava o que era nobre do que era imperfeito ou danoso. Ele, um simples jardineiro, devia escolher o que predominaria nesses pequenos campos cultivados.

Seu nome pouco importa, não consta na lista das personalidades de 2011, como Mark Zuckerberg, do Facebook, do tenista Novak Djokovic ou da chanceler Angela Merkel.

É provável que se chame apenas Zé.

Autor: Raul Cânovas

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