O homem que adorava a mangabeira

Acordava de manhã e a primeira coisa que fazia era sair para fora da choupana e falar para a árvore: Deus, eu estou aqui!

 

Ele era simples, homem da roça que morava nem tão perto de Aracu, em Goiás. Com seu jumentinho, que chamava de Dengoso, levava quase duas horas para chegar à venda do Seu Zé, nessa pequena cidade. Chico Zebedeu sempre fora um catingueiro do lugar, desde as épocas do José Jacinto da Silva, patrão do seu bisavô, um século atrás e coronel prestigiado por todos na região. O Chico nem sabia a data de seu nascimento, mas a festejava todos os dias como se fosse aniversario de borboleta e tinham muitas delas na época da florada da mangabeira, que começava sempre um pouco antes da celebração da Nossa Senhora da Aparecida. O curioso é que a velha planta, de tronco tortuoso, nunca parava de dar fruta. E as mangabas, do tamanho de um limão, com a casca amarela e salpicada de tons rosados, serviam para fazer uma compota que só a Dona Eleutéria conhecia a receita. Coisa muito boa, para comer nas tardes sossegadas de um sábado qualquer, segundo Chico.

Mas sua estima por esse pau-de-flores-brancas era diferente, era mais do que afeto, a gente poderia dizer que ele sentia certa devoção, usando-o para comunicar-se com um Deus que nem ele mesmo sabia explicar coisa alguma sobre ele e, talvez por isso, sua reza era curta e simples, dizendo em voz alta: Deus, eu estou aqui! Olhava para a árvore como se fosse um altar e, em lugar de pedir-lhe algo, sempre repetia essa frase nos amanheceres de todos os dias, como querendo se colocar às ordens do Supremo. Às vezes, não se sabe por que, ficava com os olhos marejados, apertando junto ao peito seu chapéu de palha enquanto repetia essa espécie de mantra caboclo. As flores muito alvas, formando uma estrelinha de cinco pétalas, tinham, quiçá, na sua imaginação, o significado litúrgico da entrega total de um homem simples que, mesmo nunca tendo aprendido a orar, se ajoelhava no chão de terra batida, como se fosse um genuflexório de madeira de lei e molhava o rosto com a água do coxo, tal fosse uma pia batismal.

Quem conhecia o Chico, quem realmente entendia o íntimo dele, compreenderia que a oração matutina não era feita para pedir qualquer coisa para ele próprio, era para oferecer algo inconsciente, essa jornada inteira de trabalho com sua enxada, como se fosse uma oferenda de louvor e de gratidão, para aquela árvore sagrada que simbolizava seu Deus. O único Deus que o Chico conhecia e que o abençoava todos os alvoreceres, com suas flores brancas e seus frutos de polpa cremosa.

Autor: Raul Cânovas
 

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