O barbeiro, o Papa e a regulamentação das profissões

Ontem fui cortar o cabelo (o que restou) e como sempre João me recebeu com um abraço. Somos amigos e às vezes confidentes já faz um tempo. Bem humorado, começou seu trabalho perguntando: Você conhece a anedota do barbeiro e o cara que foi a Roma? Não – respondi. – Então a estória é a seguinte: o cara vai ao barbeiro e começa o seguinte diálogo…

Cliente: Bom dia, Libertino!

Barbeiro: Ora, viva! Como está você?

Cliente: Tudo bem, tudo bem! Preparando minha viagem, vou a Roma amanhã, com minha mulher. Vê de deixar meu cabelo em ordem.

Barbeiro: Roma?! Xi! Que escolha, eh! Uma cidade suja, barulhenta cheia de turista pobre…

Cliente: É, minha mulher e eu queremos ver o Papa

Barbeiro: O Papa? Tá bom! Vão vê-lo deste tamanhinho, desde a Piazza di San Pietro, quando saúda a multidão desde a janela – diz fazendo um gesto com a mão, enquanto segura o pente entre os dentes.

Cliente: Não importa, de qualquer maneira iremos vê-lo

Barbeiro: Já comprou as passagens?

Cliente: – Sim, pela Alitalia.

Barbeiro: Alitalia?! Alitalia não renova a frota há tempos, nem as aeromoças, aff… São as mesmas da época da Sophia Loren. E o hotel? Já reservou o hotel?

Cliente: Sim, claro, vamos ficar no Sofitel.

Barbeiro: O Sofitel não é aquele da Via Veneto? Um prédio antigo, meio caindo aos pedaços?

Cliente: Libertino, acho que você está enganado, me falaram que é um hotel delicioso, muito fino.

Barbeiro: Sei não, tomara que dê tudo certo – disse o homem enquanto passava uma escova, depois de terminar com o corte.

PASSAM-SE QUATRO SEMANAS E O CLIENTE VOLTA AO SALÃO COM UM SORRISO MAROTO

Cliente: Como estão as coisas, Libertino? Tudo Bem?

Barbeiro: Tudo OK! Como foi de viagem?

Cliente: Ah, foi bom, sempre tem algum transtorno, mas foi tudo bem, tudo bem mesmo.

Barbeiro: Mesmo, mesmo?

Cliente: – Ô, quando chegamos a Cumbica, para embarcar na ida, sofremos com um overbooking

Barbeiro: Não falei?!

Cliente: Sim, mas o pessoal da Alitalia nos ofereceu como compensação viajar na 1ª Classe, inclusive na volta, sem nenhum gasto extra. Foi fantástico: Risottos alla Milanese, acompanhados com bons vinhos como Brunello di Montalcino, aeromoças simpáticas, aliás, a companhia está com uma frota nova de Boeing 777, silenciosos e essas comissárias de bordo foram formadas recentemente e, apesar de jovens, meninas quase, são treinadíssimas e muito simpáticas 

Barbeiro: Humm… e o hotel, era velho como eu disse?

Cliente: É, o predio é de 1890, mas foi reformado há pouco e por dentro tem toda a tecnologia do século XXI. O problema é que quando chegamos não encontravam minha reserva.

Barbeiro: Ai!

Cliente: É, e o concierge, que era uma figura, um verdadeiro conde romano, arranjou a suíte presidencial para nós e ainda pediu mil desculpas. Incrível, foi uma espécie de segunda lua de mel, mas de poderosos!

Barbeiro: – E o Papa? Foram na praça para ver o Papa?

Cliente: – Não, fomos visitar o Vaticano bem cedo e aconteceu algo totalmente inesperado. Estava andando com minha mulher, conversando sobre as obras de arte do Museu do Vaticano, quando se aproximou um guarda suíço e falando baixinho pergunto se éramos brasileiros. Eu falei que sim, que éramos de São Paulo e ele confidenciou que Sua Santidade tinha acordado com o desejo de convidar brasileiros para seu desjejum. Ficamos surpresos, parecia um sonho. Tomar café da manhã com o Papa era demais! Mas era verdade, entramos nos aposentos papais e lá estava ele com um sorriso sabido, como se me conhecesse há tempos.

Barbeiro: E aí?– pergunta atônito, já com a tesoura quase caindo da mão

Cliente: Aí nada. Foi tudo muito cerimonioso, tomamos o café em silêncio, nessas xícaras de porcelana de Limoges, tudo muito chique, com muita prataria, toalhas e guardanapos de linho…

Barbeiro: E ele, o Papa, não falou nada com você, nada?

Cliente: – Falou sim, chegou bem perto de mim e disse, em voz baixa e doce: ‘Hummm, quem é o cretino imbecille que corta teu cabelo???"

Depois de umas boas risadas, que contagiaram as outras pessoas que estavam também cortando o cabelo, o João me disse que, piadas à parte, há muitos por aí que não honram a profissão do Fígaro, falando mais do que devem e cuidando mal das madeixas. Mas, segundo ele, tudo isto acabou depois de aprovar a lei que regulamenta a profissão de cabeleireiro, vinte dias atrás.

– Nós, cabeleireiros de verdade, sentimos orgulho de seguir os passos de Vidal Sassoon e de Lee Stafford

– Quem são esses caras? – perguntei.

– Como quem são esses caras, Raul? O Vidal é uma eminência há um tempão e o Stafford é hoje, o mais famoso do planeta!

– Pega leve, João, aposto que nunca ouviu falar de John Brookes ou de Patrick Blanc.

– Lógico que já, ou você acha que não leio sobre jardins?

– Tá bom, espero que, junto a outros colegas, possa sentir esse mesmo orgulho, quando aprovemos a regulamentação da profissão de paisagista.

– Ué, sua profissão não é regulamentada? Não é pra valer?

– Ainda não, João, na ANP, que é a Associação Nacional de Paisagismo, estamos trabalhando para que a lei seja aprovada.

– Puxa, nada mais justo!

– Abraço, João

– Abraço, Raul

P.S. Piadas à parte, todos aqueles que, de algum modo, projetam espaços ambientando-os com vegetação e mobiliário específico para áreas externas, devem somar-se aos que trabalham para aprovar o Projeto de Lei 2043/11, do deputado Ricardo Izar (PV-SP), em tramitação na Câmara, que regulamenta a profissão de paisagista e passará a ter registro próprio expedido pelo Ministério do Trabalho.

Autor: Raul Cânovas

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