A Sumaúma

As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar.
Leonardo da Vinci

Aninga

Foi numa mudez total que, depois de navegar, por mais de uma hora, num barquinho pelo Rio Guamá, chegamos a uma mata fechada que era separada da água por um maciço compacto de aningas. Seguimos por uma trilha meio apagada. Me senti receoso de, inadvertidamente, pisar em uma mudinha de sumaúma, de castanheira ou de maçaranduba. João Paulo, meu amigo geógrafo, fazia de guia e andava sem parar na minha frente. Tudo parecia ser o resultado de um encantamento, porque as coisas mais lindas que ouvi foram ditas omitindo palavras, silenciosamente, no meio da mata calada.


Nosso barquinho no Rio Guamá

Andamos bastante, o suficiente para o calor e a umidade deixar meu corpo e minha roupa ensopada. Subitamente apareceu ela, na forma de um colosso de madeira e folhas que emergia do solo apoiada em enormes sapopemas que, em volta do gigantesco tronco, formavam divisões achatadas, elevando-se vários metros. De tão grandes, podia-se encontrar abrigo das chuvas, protegido por essas raízes denominadas tabulares, porque se assemelham a verdadeiras tábuas. Essas sapopemas ou sapopembas, que funcionam como prolongações do tronco, alicerçando a árvore, produzem um som singular quando se bate nelas com as mãos, servindo como comunicação entre índios e sertanejos. Algo parecido com o código Morse, que foi usado como padrão internacional para comunicações marítimas até 1999, e precursoras, quem sabe, das cabines telefônicas atuais.


Fiquei sabendo tantas coisas nessa visita, por exemplo: a fibra sedosa de seu fruto, parecida com algodão, é usada na fabricação de colchões, boias e salva-vidas, e como é um bom isolante térmico é utilizada nos feltros de chapéus. Só não consegui entender as explicações que me deram ao respeito da utilidade da madeira. Derrubá-la para fazer caixas, celulose ou palitos de fósforos é uma aberração. Justificar seu uso, quando já caída, para jangadas ou canoas, ai sim, tem total sentido. Contaram também, que na medicina dos Kayapós, seus xamãs, fervem a casca para combater inflamações e chagas e empregam a seiva nos casos de conjuntivite.


Sumaúma

Um biólogo da Universidade da Amazônia – UNAMA, onde fiz, naquela viagem, uma palestra, me disse que a Ceiba pentandra, como é conhecida cientificamente, não é um patrimônio apenas da região, também é nativa no México. Lá, o ceibo, ceyba, pochote ou ochota, era um símbolo sagrado da mitologia Maia e em Porto Rico, foi adotada como símbolo oficial. Cresce igualmente, em toda América Central, nas Guianas, Venezuela e no leste boliviano, coberto pela floresta úmida da Amazônia.


Essa viagem foi de grande valor, porque de algum modo, me fez enxergar que o paisagista deve ser essencialmente romântico, amadurecendo igual a uma sumaúma que não apressa sua seiva, já que intui que, lentamente, atingirá a plenitude.


Como na tragédia de Shakespeare, repito as palavras de Hamlet, dizendo “O resto é silêncio.”

Autor: Raul Cânovas

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