A regulamentação da profissão de paisagista - Parte II

Comentário feito por Helena, leitora do Jardim das Ideias.


Paisagista projetando

Há uma diferença entre Paisagismo e Jardinismo e, portanto, entre o profissional Paisagista e o Jardinista.

O problema é que, no Brasil, o termo "Paisagismo" virou sinônimo quase que exclusivamente de Jardinismo – tanto que é quase impossível alguém imaginar um local externo sem uma vegetação sequer quando ouvem "Paisagismo", pois a imagem de um jardim é a primeira coisa que vem à cabeça.

Projetar jardins é trabalhar com Jardinismo e ser jardinista. E um tão somente jardim, em uma área pré-delimitada para existência de vegetação dentre toda a área externa, não é Paisagismo.

Projetar toda a parte exterior ao objeto arquitetônico, ou seja, as paisagens, com seus agenciamentos e circulações de pessoas e veículos, construções e obras de lazer, equipamentos técnicos, projetos de elétrica, hidráulica, hidro-sanitário, fachadas e muros, luminotécnica, conforto ambiental, ventilação, isolação, tratamento acústico, definições de espaços habitacionais e de convivência social e – agora sim, como uma parte integrante – jardins e vegetação, é trabalhar com Paisagismo e ser paisagista.

Por isso é que a legislação brasileira não trata "paisagista" como profissão, e sim como termo sinônimo para "arquiteto paisagista". Por essa razão, técnicos, engº agrônomos, engº florestais, botânicos, autodidatas, etc, por lei, podem apenas trabalhar com projeto e execução de parques e jardins – não com Projeto de Paisagismo.

E é por essa razão que Paisagismo é área integrante do curso do Arquitetura e Urbanismo, pois "vegetação" é apenas um dos pontos integrantes do paisagismo – que ainda inclui conhecimentos em projeto arquitetônico, construção civil, cálculos estruturais, elétrica, mecânica, hidráulica, acústica, correntes de ventilação, resistência dos materiais, estética, filosofia da arte, história da arte, teoria da arquitetura, planejamento urbano, antropologia e tudo o mais que envolva os elementos técnicos-construtivos, o apuro estético e a relação entre o homem e seu espaço habitacional.


O Arquiteto

Ou seja, toda a área exterior à edificação é Paisagismo, é Arquitetura – de exteriores. A garagem é paisagismo, a piscina é paisagismo, o playground é paisagismo, o quiosque de lazer é paisagismo, o banheiro externo é paisagismo, a fachada é paisagismo, a fiação elétrica é paisagismo, os contrapisos e revestimentos de circulação é paisagismo, o estilo artístico é paisagismo, e, obviamente, o jardim é paisagismo. Tudo isso, junto, é Paisagismo.

E que o agrônomo não tem conhecimento para realizar todo o projeto, pois ele estudou apenas o que diz respeito exclusivamente ao jardim – e não às obras de construção civil, a obra da piscina, da garagem, do banheiro, do quiosque, das instalações elétricas, das instalações sanitárias, de acústica, dos muros e fachadas, de estilos estéticos, artísticos e arquitetônicos, de circulação e definição de todos os espaços habitacionais externos através dos estudos das relações sociais, políticas, religiosas, culturais e congêneres, do homem com a sua moradia e com a cidade que o cerca, através das décadas, séculos, milênios.

Nem o agrônomo, nem o botânico, nem o florestal, nem o técnico, nem o autodidata. Mas o arquiteto, sim.

Enfim, Paisagismo não é somente jardins. Mas os jardins são integrantes do Projeto Paisagístico… com isso, há profissionais que irão atuar somente com Projeto de Jardins (jardinistas) e os que irão atuar com todo o Projeto Paisagístico (arquitetos paisagistas, ou pela lei, mero sinônimo para paisagistas).

Então o que temos na verdade são confusões de conceitos, de áreas, de campos de atuação e de atribuições profissionais – tudo gerado por um erro de costume, passado adiante a cada tempo, de entender que "paisagismo = plantas".

É preciso criar a cultura de informar corretamente, de fazer uso dos conceitos reais, de respeitar as titulações… enfim, de começarmos a usar Paisagismo e Jardinismo como se deve.

Assim, não há mais confusão de conceitos. Não há revolta de agrônomos, florestais, botânicos, técnicos e autodidatas por "não poderem atuar com Paisagismo"… porque na verdade, o que eles fazem é projetar parques e jardins, é Jardinismo – e pela lei, estão totalmente habilitados para serem jardinistas livremente, sem dever nada a ninguém.

O problema é que se dizem "paisagistas". E para Projeto Paisagístico (o que realmente é, não o que se costuma pensar) só pode o arquiteto.

 

No momento em que houver uma regulamentação e ela corretamente separar o Jardinismo (ou parques e jardins) do Paisagismo (ou arquitetura paisagística), instaurando e reconhecendo a profissão de jardinista, não haverá mais problema algum – até porque a "profissão" de paisagista já é regulamentada pelas atuais leis, através da regulamentação da Arquitetura).

Helena.

 

Resposta de Raul Cânovas

Bravo!, Helena,

 

Fez uma bela defesa na qualidade de um ‘ad vocatus’ da classe e não deixo de lhe dar razão.

 

Cabe esclarecer que a acepção de “jardinista” o define como: “pessoa que gosta muito de jardins” (Dicionário da Língua Portuguesa de Francisco da Silveira Bueno – 11ª edição)

 

Em algum daqueles sebos deliciosos de Recife, Rio de Janeiro ou São Paulo encontraremos, seguramente, um antigo e empoeirado dicionário que define paisagismo como uma arte onde o desenho, ou a pintura, representa um espaço original.

Isto é absolutamente correto se levarmos em conta que há mais de quatro séculos, Bruegel retratava os camponeses flamengos no meio de um panorama delicadamente colorido. Mais tarde foi a vez de Turner registrar, com seus pincéis, paisagens românticas carregadas de força e de paixão, pintou sua Londres natal com a mesma energia que Canaletto usava para estampar em suas telas, a Veneza oitocentista e George Grimm, os arrabaldes da Baviera.

Paul Klee representando paisagens inusitadamente coloridas, Henri Rousseau com sua ingenuidade, George Braque em sua primeira fase impressionista e o posterior período cubista; todos eles verdadeiros paisagistas como os nossos: Almeida Junior, Benedito Calixto de Jesus, Fúlvio Pennacchi e tantos outros, que se entregaram a essa arte de perpetuar, com seus pincéis, aquilo que contemplavam com emoção artística.


O paisagismo de Henri Rousseau (1844-1910)

Já o desenhador de jardins precisa de algo mais do que visão artística e sensibilidade. A técnica paisagística, por ser uma arte aplicada, isto é, uma atividade onde se procura não apenas um resultado estético, mas também funções de utilidade com benefícios objetivos deverão levar em conta diferentes técnicas ou ciências como: biologia, botânica, engenharia agronômica e florestal, fitopatologia, edafologia, fitogeografia e topografia.

Esses conhecimentos mencionados eram suficientes até o início do século XX, quando a população mundial era de 1.650 milhões de habitantes. Hoje somos quase sete bilhões de seres humanos, dos quais mais de 50% habitando centros urbanos. Por esse motivo é necessário, igualmente, possuir conceitos e teorias que organizem os espaços de forma a adequar o paisagismo a realidade urbanística assim como, também as tendências arquitetônicas de cada metrópole. O conhecimento intelectual da arquitetura, do urbanismo, da matemática e da história é fundamental, como são essenciais a sociologia, a psicologia, o folclore e por que não, as crenças religiosas de cada região onde a área verde será inserida.

O ser humano em constante evolução precisa de paisagens dinâmicas que o complementem psiquicamente dando-lhe equilíbrio. Sabemos, por outra parte, que o jardim é uma ferramenta eficaz para o comerciante atrair clientes, para o educador ensinar seus alunos, para a indústria motivar seus operários e, até para que um paciente possa se restabelecer, mais rapidamente, por ocasião de uma internação hospitalar.

Por tudo isto devemos pensar em novos paradigmas, já que os modelos criados pelos célebres paisagistas Giacomo da Vignola , André Le Notre, Humphry Repton, Frederick Olmsted e Thomas Church nos últimos cinco séculos, apesar de profundamente inspiradores, necessitariam hoje de um processo evolutivo na busca de soluções para as questões suscitadas nas sociedades do século XXI.

A criação paisagística pode depositar suas esperanças nos profissionais brasileiros que produzem, há tempos, áreas verdes notáveis, graças ao engenho e a flora riquíssima que o país possui.

 

Fico esperançoso frente à possibilidade de que, em um futuro próximo, o arquiteto paisagista possua uma formação que lhe dê conhecimentos para lidar melhor com a realidade de um país que precisa levar em conta, por questões climáticas e fitogeográficas, sua vegetação e sua fauna. Para isto, além dos fundamentais aprendizados que as faculdades de arquitetura colocam à disposição de seus formandos, o arquiteto paisagista deverá ter conhecimentos de: morfologia vegetal, dendrologia, geobotânica, ecologia, climatologia, além das práticas necessárias que o habilitem a entender uma paisagem urbana cada vez mais carente de vegetação e saturada de uma arquitetura impiedosa, que condena homens e mulheres a uma existência terrivelmente artificial e desumana.


A Universidade de Newcastle, na Inglaterra, tem faculdade de Paisagismo e diploma seus formandos em Arquitetura Paisagística.

Concluindo: não existindo ainda uma Faculdade de Arquitetura Paisagística, não vejo como um arquiteto possa pensar um espaço verde sem o conhecimento fundamental que a paisagem original nos oferece: sua flora, sua fauna, sua bucólica poesia…

 

Com meus respeitos,

Raul Cânovas

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