Uma árvore solitária

Gosto de ouvir as plantas, escutar suas alegrias e tristezas

A árvore do Ténéré me chamou atenção pela solidão em que vivia. Habitava uma grande planície de areias douradas, no deserto de Saara, isolada nessas dunas ermas sob um sol de 50º. Quase sem água para molhar suas raízes, era o único pau lenhoso, em um raio de duzentos quilômetros, sustentando uma massa de ramos secos e confusos, lá pela década de 1970.

Essa acácia – assim se chamava – levava uma existência onde o vazio era seu companheiro, desistindo de qualquer transformação no seu contorno. Sem flores ou frutos, renunciara às visitas de pássaros que poderiam lhe ajudar à formar um bosque de filhos e de netos. Sua solidão começara ao nascer, obrigando-lhe uma independência de todos e de tudo. Não fora abandonada nem rejeitada, por isso não sabia o que era amar ou ser amada e seu único sentimento era do ser e de subsistir, sem ter passado jamais por mexericos ou elogios.

Acostumada com esse nada crônico era amiga do vento e admirava o sol. Às vezes uma caravana descansava em volta dela, usando-a como referência no deserto, e os Azalai – comerciantes tuaregues de sal – que faziam essa rota, sentiam temores de caráter sagrado, venerando seus ramos que apontavam para o céu. Ela, no entanto, era indiferente a qualquer reverência e preferia a solidão à que estava acostumada. Não se preparara para qualquer convívio, preocupando-se apenas em expandir suas raízes por mais de trinta e cinco metros de seu tronco, para buscar a água necessária que lhe permitisse viver e continuar contemplando o vácuo do nada e a não existência de qualquer outra coisa do que sua sombra. Por fim, e a seu modo, era feliz, mesmo divorciada dos prazeres jubilosos que outras acácias pudessem sentir nas florestas desta vida.

Um dia, admirando um sol que era só seu e que brilhava solitário no isolamento que ele próprio inventara, sentiu um golpe fatal no seu corpo de madeira e, perdendo o equilíbrio, tombou na areia para não levantar nunca mais. Fora atropelada por uma fatalidade. Um caminhão mal conduzido por alguém que não entendeu seu desejo de buscar, na solidão, o vazio do universo. Aquela que jamais se socializara teve uma morte sem testemunhas, encontrando uma paz insólita, depois de tantos anos e, como em um velório sem amigos nem parentes, a acácia partiu de madrugada, sem avisar o sol e abraçada com o vento.

Autor: Raul Cânovas

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