Perspectivas

 Desde que comecei a projetar jardins entendi que devia aumentar o campo de visão

O espelho falso – René Magritte

Inicialmente, de modo empírico, procurava truques com a intenção de reduzir ao mínimo o impacto que as edificações causavam na paisagem urbana. Tentava que a percepção visual não ficasse limitada pelas paredes medianeiras ou pelos prédios, muitas vezes grudados ao jardim que projetava. Essas paredes cegas, sem nenhuma janela, que funcionavam apenas para cercar os terrenos onde se situavam as casas, sempre foram verdadeiros obstáculos à liberdade do olhar. Alcançando, em alguns casos, quase três metros de altura, pareciam dizer: "aqui terminam seus direitos de contemplar a paisagem". E quando uma construção se elevava junto a esse jardim, mais do que a sombra efetiva que ela fabricava, reduzia o espaço tornando-o opaco e acanhado.

As cidades brasileiras continuam a padecer com o gigantismo de seus edifícios e quem sofre são seus habitantes, oprimidos pelo concreto cinza dessas habitações que verticalizaram nossas vidas, impedindo-nos de observar o horizonte. A diminuição das áreas externas é inevitável. Então, de que forma poderíamos minimizar isto? A resposta é: com a perspectiva. Com ela, criamos ilusões de óticas que nos fazem acreditar estar vendo um campo maior do que efetivamente é. Se usarmos esp&eaeacute;cies de grande porte com folhas pequenas, escuras e foscas nos fundos do terreno e de tamanho menor, com folhas maiores, claras e brilhantes no primeiro plano, estaremos “enganando” o olho humano, que pensará estar em um jardim maior do que realmente é. Criar pontos de atenção e mobiliário longe dos muros que demarcam a propriedade são recursos a serem levados em conta, assim como uma iluminação que, durante a noite, não evidencie o fim do terreno, como é o caso das arandelas fixadas nesses muros e que acabam por demarcar a área verde, reduzindo-a.

Mulher no jardim – Claude Monet

Estes e outros truques dão a sensação de liberdade que, afinal de contas, é o desejo mais importante de qualquer ser humano. Mais do que riqueza, glória ou qualquer outra coisa, as pessoas querem ser desimpedidas e livres para, pelo menos, enxergar ao redor de onde moram e, desatravancadas, apreciar um jardim que lhes faça pensar que vivem em cidades civilizadas, conservando, no entanto, os aspectos bucólicos e essenciais que as mulheres e os homens precisam para se sentirem bem.

A perspectiva é tão essencial nas nossas vidas que, mesmo quando nos afastamos do jardim e pensamos sobre nossas perspectivas existenciais, descobrimos que não poderíamos viver sem sonhos e sem as ideias de que temos escolhas a fazer. Na construção de nós mesmos, vislumbramos que estamos escalando a montanha do conhecimento e da percepção e, apesar da dura caminhada, descobrimos que a cada nível vencido avistamos um panorama mais claro. E nele, sem ilusões de ótica, vemos o que conquistamos, sem sombras nem falsos monumentos acinzentados.

Autor: Raul Cânovas

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