Os deuses, a chuva e a primavera

O que será que a chuva irá me trazer?
Qual é a promessa dessas gotas mornas que a primavera transpira?

 
Tlaloc

Os Astecas veneravam Tlaloc, deus da umidade, dos raios e tormentas; ele casou com Chalchiutlicue, sua irmã, sempre vestida com túnicas de jade que cuidava dos mares e dos lagos, e também dos filhos, que gerava em forma de nuvens. A serpente de ouro o acompanhava, simbolizando o relâmpago e o trovão, viviam em Tlalocan, um paraíso aquático onde brotavam milhares de ninféias amarelas.

As pessoas sentiam por eles uma emoção confusa que misturava reverência e temor, já que às vezes, enfurecidos, disparavam granizo e inundavam os campos de milho; por isso, por pura precaução faziam oferendas com pulque e pamonhas na tentativa de minimizar a ira desse casal sobrenatural.

Mas tudo isto foi há muito tempo, em uma época em que éramos temerosos frente ao desconhecido e ao incerto; hoje, sabidos e cheios de convicções, não damos a mínima para essas histórias fabulosas e os próprios deuses acabrunhados e desmotivados esquecem de fazer chover, e quando lembram alagam tudo, meio que desajeitadamente, quase que de forma burocrática. Perdeu a graça, justo agora no início da primavera que precisamos de inocência e de amores ardentes e também de um pouco do beijo molhado e do orvalho matutino, eles deram as costas e se negam a obrar coisas divinas.


Foto: Antônio Machado

Eu tive uma idéia, mas preciso muito de sua ajuda; não apenas de sua ajuda, necessito algo assim… como um crédito e também uma espécie de prazo durante o qual você não irá me rotular de brega ou de arcaico. A idéia é a seguinte: quando você vir uma borboleta colorida, emociona-se, quanto maior forem suas asas e mais pigmentos estejam nelas concentrados, mais comovido você deverá ficar e se por acaso ela pousar na sua cabeça, aí se torna obrigatória a paixão; vale também ficar acocorado para perceber de perto o perfume de um canteiro de cravinas e levantar-se em seguida para sentir a tontura.

Mas o bom mesmo será dividir uma goiaba com alguém, que como você compreenda as borboletas e goste de flores perfumadas e não tenha medo de parecer antiquado.

Ah sim! O prazo; ele termina no final da primavera quando Tlaloc e Chalchiutlicue se retiram deixando um caminho livre para outros deuses, mais enxutos e menos apaixonados.

Por Raul Cânovas.

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