O presente mais singelo do mundo

Com a espontaneidade natural de toda criança dessa idade, lhe entregou o mimo e saiu correndo

 

Chico contou que isto tinha acontecido há tempos e que quando o menino colocou o brinde na sua mão direita, não deu muita importância porque estava no meio de uma conversa animada, em um domingo qualquer de churrasco e de cerveja. Mas, tomou cuidado para apertar os dedos e guardar o que tinha recebido. Aproveitando uma pausa, olhou com mais atenção e percebeu que se tratava de uma semente e, como o filho da Idalina e do Renan já tinha ido embora com os pais, não conseguiu saber aonde tinha catado o grãozinho, nem muito menos qual era a planta que o originou.

O ingazeiro do seu Chico

 

No dia seguinte, encontrou a sementinha esquecida no bolso da calça e, tomado pelo pudor de quem receia ferir o decoro daquilo que podia ser uma expressão de vida, mesmo insipiente e minúscula, decidiu plantá-la no jardim dos fundos de sua casa. Os anos se passaram, muitos anos, e a semente germinada se transformou em um ingá robusto, com uma copa sombreadora que se enchia de pequenas flores brancas no final do inverno, teimando em perfumar dos primeiros até os últimos dias da primavera. Chico construíra um banco de madeira junto ao tronco e nele ficava as tardes libertando sua alma de preocupações e ansiedades. Parecia que sob sua fronde sentia-se protegido e acalmado, como se a árvore lhe limpasse de alguma ou de todas as limitações que ele mesmo se criava, por motivos nem sempre tão importantes, mas que lhe produziam tensões e inquietações. Enfim, era um refúgio construído com sois e chuvas e originado em uma sementinha que fora um mimo de uma criança pura.

 

Ah sim, essa criança é hoje um homem forte que não se lembra desse domingo. O filho de Renan e da Idalina se chama André e dizem que um anjo o acompanhava estimulando-o para que, no meio das brincadeiras, semeasse amores encerrados dentro de sementes. A ideia era que, ao germinar, as sementes liberassem ternuras fantasiadas de árvores e que desse modo embriagassem de entusiasmo o espírito dos necessitados.

 

Se você surpreender por aí um menino catando sementes, não o interrompa, o anjo pode ficar zangado.

Autor: Raul Cânovas

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