Misterioso amor

 O homem do rio revela os segredos escondidos em uma flor dourada

Durante anos buscou respostas para suas dúvidas existenciais. Não conseguia entender o por quê das tantas perguntas que se acumulavam sem respostas e achava incrível ter ficado desde o ensino fundamental até sua graduação de médico, aprendendo tantas coisas para ainda sentir que sua ignorância era do tamanho de uma montanha. Era inexplicável que, apesar de sua vontade em encontrar as explicações de sua curiosidade em cursos, livros e nos simples bate papos com seus amigos, não encontrara ainda uma solução para algo que podia ser tão simples como amar. Sim, amar, ser amado, querido. Sentir saudades e saber das saudades que o outro sente quando não estamos por perto e, mesmo com os recursos como telefone, Facebook e Skype, sofrer com essa distância insuportável.

Mas o que é amar? Por que uma coisa que deveria ser gostosa se transforma em algo oposto ao doce, ao sorriso, ao abraço e ao beijo esperado? Alberto, esse é o nome da pessoa da qual estou falando, decidiu dar um tempo na sua vida. Parar o relógio de seu cotidiano de “pessoa normal” e sair por aí à procura de uma pista para sua dúvida maior: o que é, afinal, amor? Demitiu-se da clínica onde trabalhava, falou um adeus impreciso aos seus amigos e, sem pensar muito, comprou uma passagem para o Amapá, imaginando que esse destino era suficientemente longe da vida que levava e que não lhe satisfazia. Mas não ficou na cidade, queria ir junto ao Rio Oiapoque e meditar. E foi o que fez.

Ficou em um vilarejo de pescadores, bem simples, olhando no outro lado do rio a paisagem da Guiana Francesa tão igual a aquela nas suas costas. As pessoas do lugar eram hospedeiras e alegres, o tucunaré saboroso e as tardes infinitamente tranquilas. Não procurava fazer amigos, pelo contrário, evitava relacionar-se e perder essa paz, esse silêncio que tanto tinha desejado. O lugar talvez lhe revelasse o grande enigma que escondia o mistério da paixão humana, o mistério de seus próprios desamores.

Sentado na varanda da casinha que alugara, viu um dia aproximar-se um homem de rara aparência, pelas roupas não era um pescador ou qualquer outro membro da pequena comunidade local: comerciante, artesão ou coisa parecida. Usava um chapéu de palha, de abas bem largas e gastas e trajava algo parecido com uma camisola longa e solta que cobria seus joelhos. Os pés descalços estavam enfeitados com pulseiras feitas de sementes coloridas, as mesmas que confeccionaram o colar de duas voltas, ajustado no pescoço. O homem trazia uma flor e sorria mansamente. Fitou Alberto e disse: lhe trouxe uma amostra de algo que vai ajudá-lo a entender aquilo que até agora alimentou suas aflições. "Quem é você?", perguntou Alberto. Sou o homem do rio, apenas isso, o homem do rio que sabe de suas incógnitas espirituais e que quer ajudá-lo a decifrá-las.

Amanhã bem cedo colha uma braçada destas flores, ainda umedecidas pelo orvalho do amanhecer. Coloque-as em um vaso e contemple-as. Apenas faça isso, contemple-as. Alberto, meio que sem muita convicção, cumpriu a tarefa no dia seguinte e depois de ajeitá-las em um pote de barro com água, as deixou em cima de uma mesa. Os dias foram passando e as flores foram murchando aos poucos até que as pétalas douradas tornaram-se da mesma cor do chapéu usado pelo homem do rio, que voltou à casa de Alberto dizendo que queria saber delas. Elas perderam o viço depois de vários dias, respondeu Alberto. Pois é, afirmou o estranho personagem, na vida precisamos compreender que nada é para sempre e, no entanto, apesar da extinção de algumas, sempre haverá flores à beira desse rio. O segredo do amor é revelado a aquele que sente o prazer amando cada dia renovado, sem esperar nada em troca, embriagado unicamente pela emoção singular de amar por amar, livre das emoções alheias. Igual a uma flor dourada que se renova brilhando eternamente, sem contar jornadas.

Alberto conquistara a liberdade. A verdadeira alforria de amar sem atormentar-se com reciprocidades. Amar, pelo simples e belo ato de amar.

Autor: Raul Cânovas

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